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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

PARVOS -I

Exercício: comparar os Parvos dos diferentes autos de Gil Vicente.

O parvo Joane (Auto da Fama, 1510), personagem masculina, auxilia uma moça de nome Fama a qual será pretendida pela França, Itália e Castela, mas só o reino Português a merecerá. Nesta farsa, o parvo Joane apresenta características comuns a outros autos, nomeadamente a preguiça e por “sonhar que era tolo” sonhava com o céu de Deus. Além disto, enquanto a Moça conduz as patas a preceito, tratando-as de “meninas fermosas”, o Parvo condu-las de forma enlouquecida, desejando que a raposa as mate ou que se afoguem, já que estas lhe dão imenso trabalho. Utiliza o palavrão, pragas, e interpela sobretudo o pretendente francês tentando afastá-lo, o que pode ser ilustrado pela seguinte expressão: “”Hou Franchinote, fora, fora…” .


O parvo Joane (Auto Pastoril Português, 1523), personagem masculina, neste auto adquire uma relevância pouco habitual, já que o diálogo entre ele e uma pastora de nome Catherina é bastante prolongado e centralizador. Joane, aliás, revela-se inicialmente enamorado desta pastora, apresentando uma linguagem mais próxima da norma de então (inquere inclusivamente a pastora sobre se alguém a importuna, a engana). Enfim, um linguarejar mais reflexivo do que é habitual num Parvo. Supostamente apaixonado, proclama: “Sempre eu hei de ser comtego/Lá detrás da casa ó sol.”, num assomo quase poético. No entanto, nem todos as características do parvo anedótico estão arredias desta personagem, pois, afinal, numa fase posterior confessa que por ela “subiu à pereira” e que “Eu não quero de ti nada/Senão abraçar como amiga”, para depois e num jogo de sedução intrigante e revelador de uma densidade psicológica acentuada, confessar que “Porque as lágrimas me sãe/O dia que te não vejo” e projecta para Catherina ser “bem toucada”. Como esta o rejeita, o parvo questiona: “A Índia não está hi?”. Afinal se ele soubesse desta rejeição nunca lhe teria dado a roca que trouxera de Santarém. Depois deste diálogo surgem pastores e pastoras que procuram casar o Parvo.

O Parvo (Floresta de Enganos, 1536), personagem masculina, sem nome aparente, preguiçoso (tem como projecto dormir “quatro ou cinco meses”), servil (trata o filósofo por amo), revela em simultâneo a inconsciência própria dos parvos e utiliza um bordão, a interjeição “Apihá”. O filósofo adverte-o por isto: “te vas del abrigo/Al perigo que no sientes”.
Este Parvo, que representa a pureza, a ingenuidade, revela-se como um precioso contraponto face à gnosiologia que é apanágio do Filósofo. Será a condenação da pretensa arrogância deste representante do saber que é aqui posta em causa, de tal forma que este trará acorrentado “hasta el morrir” aquele que classifica de “necio” e de “bobo”.

Um Parvo (Auto da Festa), personagem masculina, apologista da sesta, revela-se preponderante neste auto pelo protagonismo que assume. A Verdade, uma personagem alegórica, reconhece em relação a este parvo que: “…aquele rei jocundo/o privou dos bens do mundo/que lhe dará o do céo.” Está aqui bem patente a condenação dos bens materiais, bem como a apologia da pobreza e da simplicidade, que proporcionam o paraíso. Porteiro neste quadro alegórico que é o céu, confronta-se com a sua própria mãe, uma velha, que, cruel, lhe revela que em má hora o pariu, o viu e o criou, porque ele a “envelhetou” e afinal ela não é tão velha como isso.

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