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sábado, 18 de setembro de 2010

OS PAPÉIS DO INGLÊS, de Ruy Duarte de Carvalho ;

“…mais do que o achado, vale sempre a busca”


Os Papéis do Inglês é uma ficção que apresenta como subtítulo “O Ganguela do Coice” (ganguela é um nativo originário da África central e, nesta estória, é também o avô do Paulino, personagem que cozinhava para “o branco” e que tinha visto tudo, ou seja o mistério que este policial acaba por encerrar) sendo classificada pelo narrador como “uma estória angolana”.

Mas a classificação deste policial angolano só estará completa a partir do momento em que é revelado ao leitor que esta estória é uma invenção completa, elaborada a partir de uma crónica de Henrique Galvão. Esta crónica relatava um acontecimento trágico, a morte de um antropólogo Inglês, que se suicidara em 1923 no Kwando, depois de ter morto tudo à sua volta, inclusivamente um antropólogo grego obscuro e oportunista. Archibald, de seu nome, foi inicialmente ilibado devido ao laxismo de um chefe da polícia local.
A palavra invenção é fulcral neste contexto, já que é reveladora da versatilidade deste narrador (também ele antropólogo) e dos seus “golpes de cintura” (p.26), que domina a seu belo prazer toda a intriga, procurando (sempre) surpreender o leitor, que tem de ir compreendendo as três versões da estória e a narração, que não é ordenada cronologicamente.

Em termos formais, o livro encontra-se dividido em duas partes fundamentais, intercaladas por um Intermezzo (curioso!). O referido Intermezzo estabelece uma comunicação decisiva entre o livro primeiro, dedicado a uma narratária específica e um segundo livro, com um cariz etnográfico considerável. Este segundo livro é o da viagem, das datas e das descrições de lugares, do surgir de novas e importantes personagens e do trabalho etnográfico de um antropólogo que não descurava a literatura (ou não tivesse ele a febre literária dos primeiros antropólogos), sobretudo a obra de Conrad.

O que liga o primeiro e o segundo livros é a procura incessante, quase febril de um tesouro porque”… é aí que estará o coração daquele que o procura”, como é referido a determinada altura pelo narrador.

Esta estória de “suicídio e crime” que termina com um final “singelo”, mas esclarecedor, vai alimentando desde o início as expectativas do leitor e da narratária, como se constata pela frase que denuncia a estratégia do narrador, “É coisa que guardo para contar-te à frente” (p.33).
No final da narrativa, o leitor descobre finalmente que a versão completa do narrador difere da de Henrique Galvão (a original e verdadeira) e da de Luiz Simões, porque nesta sobressai a visão do Ganguela, o avô do Paulino. Ou seja uma estória policial, que decorre em África, envolvendo o mundo da Antropologia, e que encerra três versões entrelaçadas e narradas, aparentemente, de forma desordenada!
Um estória que dá que pensar, tal como os policiais de Agatha Christie.

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