Sintra

Sintra
Sintra - Portugal vale a pena!

Finais subvertidos de obras clássicas & outras subversões

INTRODUÇÃO
I
Mil setecentos e setenta.
Sebastien-Roch Nicolas lia, nos salões franceses, as suas máximas e pensamentos. Uma ficou na memória daquele grupo de cortesãos, vestidos de forma espampanante: "Um dia perdido é aquele em que não nos rimos". Frase que ficou para a eternidade e que facilmente se memoriza. E esta é a máxima que acaba por ser a estrela-guia deste projecto.
Contudo,a mensagem de Nicolas pecava pelo exagero. Não é absolutamente necessário rir...basta sorrir! Na verdade, os tempos que correm não estão para excessos!

II
Subverter e sorrir! Desconstruir e apresentar alternativas para os finais de obras clássicas, sendo que algumas delas se enquadram em currículos escolares. Refazer sinopses, reescrever poemas. Dar largas à nossa capacidade criadora, venerando os autores e, consolidando, desta forma, o conhecimento das respectivas obras. Fazer sorrir o leitor!

III
Subverter. O acto de subverter implica uma ruptura com a ordem estabelecida. Acto criativo, que implica uma verdade tão lógica... só se subverte o que se conhece!
A ordenação destes exercícios de escrita está, obviamente, relacionada com a sua produção. Em boa verdade se diga que foi o tempo e a vontade, que determinaram a génese destes textos.

IV
O que seria do mundo e da Literatura sem a habitual seriedade, a gravitas dos romanos?! Todos nos perguntamos , no entanto, se o peso excessivo dessa seriedade, não poderá estar em correspondência directa com o afastamento de alguns leitores, que preferem o imediatismo da imagem. A verdade é que o riso e o sorriso têm um efeito benéfico no leitor, fazem-no
interessar-se pela leitura e, nem o próprio Camões, talvez por influência de A Eneida, escapou a esta ideia, ao incluir na sua obra épica um episódio onde subjaz o riso e a troça, o de "Fernão Veloso".
Fazer sorrir é uma nobre arte, não desvaloriza o sério, bem pelo contrário, é dele um cúmplice valioso, e é, indiscutivelmente, um sinónimo de inteligência, de desconstrução e reconstrução do real.

DEDICATÓRIA

Muchas gracias, James Finn Garner e Woody Allen!

1 - UM OUTRO FINAL PARA O VELHO E O MAR POR NEFASTA INFLUÊNCIA DE MOBY DICK

- Santiago..- a interpelação provinha de Manolito, que folheava, atentamente, as historias de “Mafalda”.
- Sim? – Perguntou o Velho (El Viejo).
- Por que razão não pescas há 84 dias?
- Por que não pesco qualquer coisa! Qual é o interesse de andar sozinho no mar, a pescar carapaus, ou sardinhas?!

Santiago fora considerado um salao e, nos últimos tempos, um “capitalista americanóide”pela comunidade piscatória cubana, que com ele privava diariamente.
“Se não pesco não sou considerado como um homem, mas a verdade é que costumo rachar lenha e essa é uma actividade viril, para a qual é preciso muito mais força de braços” – pensava.
O problema é que, na aldeia, Santiago era invejado, por ser um pescador tecnicamente evoluído.
Assim, para tentar provar que os restantes pescadores cubanos estavam enganados partiu para o mar, em busca de uma baleia branca, conhecida como Moby Dick e que havia arrancado uma perna a um marujo de nome Ahab. Contudo,ao invés dos maléficos sentimentos que Ahab nutria pela baleia, o Velho não a odiava. Bem pelo contrário, até a tratava como “irmã baleia” e, por ela, tinha muito respeito, ou não fosse ele assinante do canal “National Geographic” e simpatizante do movimento "Greenpeace". Após vários dias de um estudo intenso das movimentações da baleia, conseguiu pescá-la graças às mais recentes técnicas de pesca, que incluem naturalmente o uso de arpões térmicos comandados por controlo remoto. Mais tarde, três tubarões tentaram devorar-lhe a presa, mas o Velho recorreu novamente ao seu arsenal. Desta vez três mísseis balísticos foram enviados a partir do que os ingénuos tubarões consideraram ser uma simples embarcação de pesca artesanal.
Regressou à aldeia com a mega-baleia e logo aí foi recebido pelo presidente da junta local com pompa e circunstância. Contudo, e como não era parvo, resolveu transformar em bifes todo aquele imenso peixe, ganhou umas lecas valentes e, com esse dinheiro, conseguiu comprar um iate que fez furor em Havana, conhecendo mais tarde o próprio Fidel de Castro.

O seu iate, aquele por que sempre sonhou, haveria de ter o nome de Pequod, ser comandado pelo famoso Ahab e incluir na tripulação um marujo de nome Ismael. E lá partiram eles da aldeia, todos contentes, em busca da irmã de Moby Dick...

FIM


2 - UM OUTRO FINAL PARA O CONTO "CIVILIZAÇÃO" DE EÇA DE QUEIRÓS

"Os arvoredos frondosos de Torges de um verde-vivo quase fluorescente, os riachos que espelhavam a exuberância das vinhas, os rochedos predominantemente graníticos, como que esculpidos pela própria mãe-natureza".Faltava algo naquele exercício de escrita realista, onde era notório existir uma sobrecarga de pormenores descritivos, que potenciavam o efeito do real, considerou Jacinto enquanto alisava o farto bigode.
E acrescentou ao razoado, escrito com incrível mestria, o voar e o zumbido de uma mosca.
Subitamente foi dominado por um tédio desmesurado. Sentia falta de todos os antigos aparelhómetros que faziam parte do recheio do Jasmineiro e que eram símbolos de uma civilização que recusara há algum tempo. Relembrava, com saudade, o telemóvel de última geração, o portátil que utilizava para escrever textos bucólicos, a PSP 2 com a qual se divertia em jogatanas demoradas em cenários multicolores.
Por outro lado, já tinha lido A Ilíada e ficara revoltado com a morte de Heitor, lera a História da Grécia, a muito custo, porque só possuía a versão em grego. Analisara criticamente o D. Quixote ao pé do moinho da sua herdade e, por fim, as Crónicas de Froissart.
A verdade é que sentia saudades de ler uma boa história em B.D e folhear, ao acaso, os inúmeros exemplares da sua hemeroteca.
Suspirava! Do mais fundo do seu ser ansiava por um cheeseburguer. Um bom cheeseburguer citadino, ladeado por batatas fritas, salada e pickles. Estava farto do caldo de galinha, da broa, do arroz com favas que o solicito Zé Brás lhe punha à frente.
E regressou! Apanhou, com uma urgência febril, o TGV no Poceirão. A extraordinária e rápida viagem terminou em Paris. Nessa tarde passeou calmamente na cosmopolita cidade, visitou o Louvre, rilhou um croissant frente ao Arco do Triunfo, foi à Opera e terminou o dia no "L´Ambroise", onde degustou um saboroso coq au vin.
O regresso ao Jasmineiro foi verdadeiramente épico e aí viveu "à grande e à francesa".

VIVE ET REGNA, FORTUNATE JACINTHE!

3 - UMA OUTRO ROTEIRO SOBRE VIAGEM À ÍNDIA (A PARTIDA)

Colocou no nariz afilado os óculos de lentes grossas e redondas. Conseguia finalmente vislumbrar o Mosteiro dos Jerónimos, apesar de estar a cinco metros do luminoso edifício manuelino. Não…era para o outro lado!
Distraído, remexeu no bolso do gibão escarlate e de lá retirou um amarrotado pacote com uma dúzia de pastéis de Belém, que deglutiu com satisfação. Bolos crocantes como aqueles não havia!
O tornozelo esquerdo impediu-lhe a marcha em passo acelerado até à garbosa frota que reluzia no Tejo azul. No entanto uma sombra acastanhada denunciava a presença da Bérrio.
V.G – Então Nicolau Coelho, já haveis aspirado a proa o vosso navio? Haveis lavado os espelhos retrovisores? Haveis inspeccionado o radar? – Inquiriu, numa pronúncia alentejana que denunciava as suas origens. Estava intrigado, pois não ouvia o soar de qualquer voz humana. Voltou a limpar os óculos embaciados e conseguiu distinguir um carvalho frondoso diante do qual estancara. Raio de árvore!
Avançou, finalmente, para a S. Gabriel. A entrada foi penosa porque, por vezes, os seus passos não encontravam a superfície sólida da prancha de madeira.
A azáfama, ao redor da frota, era grande. Os marinheiros, num vaivém constante, traziam mantimentos para o interior da S. Gabriel: carne salgada, panquecas, pacotes de batata frita e umas quantas grades de cerveja, que cairiam que nem ginjas, quando assistissem às jogatanas do Benfica, em plasmas estrategicamente colocados para o efeito, na vetusta caravela.
Partiram do Restelo. Era sábado, 8 de Julho de 1497. O relógio de Vasco da Gama marcava cinco horas, vinte e sete minutos e trinta segundos. Enquanto o capitão acenava para os lados de Almada, o seu imediato interpelou-o:
Imediato – Senhor, afinal qual é o objectivo desta viagem?
V.G – Não sabeis?! Quero conhecer, pessoalmente, o grande pacifista Gandhi!
E continuou – Quero saber mais sobre a indústria cinematográfica indiana. Conhecer Bollywood! Conheceis?
Imediato – Só do “National Geografic", Senhor!
V.G – Que filmes! E que actores: Shahrukh Khan, Aishwarya Rai! Pois para lá chegarmos precisamos disto (apontando para uma bússola)! E disto (balestilha)! E mais disto (sextante)!
Apontava, com orgulho, para os mais recentes instrumentos de navegação, que brilhavam numa mesa de confecção sueca.
V.G – Hoje sou eu que conduzo – e dirigiu-se ao leme. A S. Gabriel fez então uma perigosa curva e a proa ainda chegou a roçar na Torre de Belém. Mas o ziguezague do navio-mor não confundiu as restantes embarcações, que serenas e em fila indiana se dirigiram rumo ao Oriente e à cidade de Calecut.

4 - UM OUTRO FINAL PARA AMOR DE PERDIÇÃO, DE CAMILO CASTELO BRANCO

O Outro Mundo seria o Paraíso, local de reencontro de Simão e Teresa. Esta, com apenas dezoito anos, faleceria ao romper da aurora, numa agonia terrível. Simão para sempre!
O jovem, filho de Domingos Botelho e Rita Preciosa, pereceria de febre maligna, no beliche do navio no qual embarcara para o exílio, desesperado por não ter podido casar com Teresa e tentando não perceber (geralmente olhava para o lado, ou assobiava), que Mariana o amava de uma forma lancinante.
Mariana atirar-se-ia ao mar, um pouco antes do cadáver de Simão ser lançado às profundezas do Atlântico. A filha de João da Cruz morreria perto de Simão e, à tona da água, surgiriam os testemunhos daquele amor mítico entre Simão e Teresa, em forma de correspondência.
ALTO AÍ!
As três personagens reunidas em consílio reivindicativo, deliberaram que o final desta novela de capa e espada não seria bem assim! Em carta formal indicada apara o efeito, revelaram a Camilo a sua indisponibilidade para um fim tão trágico e hediondo. Isto, apesar de respeitarem as memórias da família Castelo Branco e, sobretudo, o autor.
Teresa, Mariana e Simão pretendiam assumir a grandeza e a vida de homónimos famosos. Assim, Simão emigrou para Madrid onde se tornou um extremo-esquerdo de renome. Sempre que transpunha os balneários do Vicente Calderon, o estádio vinha abaixo e os colchoneros não lhe poupavam elogios. As memórias de Teresa conservou-as em forma de tatuagem, no braço esquerdo. Mariana também emigrou, mas para o reino de Inglaterra, para Sherwood, onde casou com o famoso Robin Hood. Teresa ficou em Portugal, mas com um outro nome: Teresa de Leão. Seria a mãe do mítico Rei-fundador!
A Camilo nada mais restou do que substituir Teresa, Mariana e Simão por outras personagens, copiando descaradamente as personagens de uma outra obra romântica. Assim, Eurico acabou por ser Simão, Teresa foi substituída por Hermengarda e Mariana por Pelágio.

5 - UMA OUTRO ROTEIRO SOBRE A VIAGEM À ÍNDIA – II

7 de Julho de 1497, final da tarde

O anel brasonado, o bigode retorcido nas pontas, o lenço em tafetá e uma pronúncia arrastada denunciavam as suas origens...era do Restelo.
Tio do Restelo (em conversa amena à porta dos “Pastéis de Belém” com Vasco da Gama e seu irmão Paulo) – Mas, ooouçam, em vez de irem por caminhos desconhecidos, o que é pouco confortável, por que razão não vão a Marrocos, que é já aqui ao lado?
Vasco da Gama – Mas, Tio, o que é que existe em Marrocos de especial (denunciando a sua pronúncia alentejana)?
Tio do Restelo – Muita caturreira! O Vasco já foi a Marraquexe? É o máximo! Fica próximo da Cordilheira do Atlas, tem óptimos hotéis, o maior Suq de Marrocos, muita agitação…E em vez de viajar só de barco, pode andar de camelo! Ó Paulo (com um gesto de quem chamava por alguém distante e um olhar sobranceiro)!
Paulo da Gama – Diga Tio (não esquecer, também, a pronúncia alentejana)!
Tio do Restelo – Já ´teve em Casablanca?
Paulo da Gama – Não, Tio!
Tio do Restelo – Então não sabe o que é booom! Aquelas praias, aquela marginal…e vocês com a teimosia de quererem ir à Índia! Essa caturrice é um horrooor!
Paulo da Gama (com gestos de quem pretende abraçar o mundo) – Nós queremos ver Bollywood! Somos Cinéfilos, somos assim, pronto!
Vasco da Gama – (repentinamente) Eu também quero conhecer o Taj Mahal!
Paulo da Gama – Uma das sete maravilhas do mundo! Aquele monumento é maravilhoso!
Vasco da Gama – …todo incrustado de pedras preciosas!
Paulo da Gama – (com um gesto supersónico) E eu quero ver os Pilares de ashoka!
Vasco da Gama – E eu as Grutas de Elephanta, em Mumbai!
Paulo da Gama – (ripostando) E eu Fatehpur Sikri, a cidade abandonada!
Tio do Restelo – Pronto, pronto, os piquenos é que sabem! Não há pachooooora! Eu, agora, já não tenho tempo p´ra mais nada, está na hora de ir jogar golfe! A Maria está ali à minha espera naquele carro eléctrico de última geração. Mariaaaaa, espere!

II.1

17 de Julho de 1497, à vista das Canárias…e à hora do Telejornal

Diogo Lopes (marinheiro) – Senhor, vosso irmão está perdido (esbracejando)! Perdido! Perdido!
Vasco da Gama (falando com o mastro central do navio, enquanto limpava as grossas lentes) – Essa tua mania de repetir expressões! (repentinamente) Quê? Quê? O meu mano? Tentai localizá-lo através do radar! O meu reino por um radar!
Lourenço Pires (marinheiro) – Ainda não foi inventado, senhor!
Vasco da Gama – (consultando um mapa no seu iPad) – E o Código Morse? Não?! E que tal sinais de fumo? Bom, bom, não nos enervemos! Ele depois aparece! Já o conheço (suspirando), gosta de esconder a nau em ilhas desconhecidas e depois aparece de surpresa. Lá em Sines, sempre gostou de brincar às escondidas, é um traquinas (pausa…silêncio absoluto no chapitéu). Bom, segundo o mapa, para se chegar à Índia é sempre em frente, frente, frente, frente (apontando com o dedo indicador), apanha-se o IC 19, faz-se uma ligeira curva na Segunda Circular, contorna-se o Colombo…
Domingos Saldanha (marinheiro) – …Na Segunda Circular?
Vasco da Gama (irritado) – Calai-vos! Não percebeis nada de navegação! O que eu queria dizer era...Cabo verde! É quase a mesma coisa, homem! Que desactualizado! Não sabe o que é uma anacronia?!
Alexandre Sousa (marinheiro) – Vamos então para Cabo Verde, senhor?
Vasco da Gama – Vamos, vamos, vamos! É bom que estejam atentos ao quadrante, à balestilha, à bússola…enfim a toda a mais recente tecnologia que equipa esta nau.
Duarte de Meneses (marinheiro) – E ao radar?
Vasco da Gama – O radar ainda não foi inventado (furioso)! Mas que insistência com o radar! (silêncio momentâneo na coberta). Eureka! Vamos a Cabo verde! Iupii! Vamos à Ilha do Sal para descansar e comer uma boa cachupa, ou uma moamba, ao Mindelo para ouvir Cesária Évora e as suas mornas…
Rui Teles (marinheiro)- E a São Tiago para pescar?
Vasco da Gama – (com o olhar mais brilhante e sonhador do mundo) Sim… a São Tiago! Sol, sol, praiaaa, descanso, des-can-so!

II.2

Baía de Santa Helena, 16 de Novembro de 1497

Vasco da Gama (vestido a rigor com o equipamento da selecção nacional e saltando com euforia na coberta) – Olé, olé, olá, Portugal é o melhor que há! Dá cá um abraço, Ahmad Ibn Majid (piloto árabe)!
Marinheiros (em uníssono, mesmo o que estava no cesto da gávea) – Portugal! Portugal!
Luís de Vasconcelos (marinheiro) – Senhor, vamos visitar o jardim zoológico de Pretória, ver as zebras, os leões como fizemos em Melinde? E contar a História de Portugal a toda a gente que passa?
Vasco da Gama – Qual quê! Vamos é já para o estádio! Ainda chegamos a tempo do Portugal-Espanha e de vermos o Cristiano a driblar os defesas espanhóis. Aquele é que merecia um padrão. Tragam-me a vuvuzela, o cachecol, as minis e as sandochas de couratos!
Adamastor (o mais musculado marinheiro da nau…e alto como um pinheiro) – Senhor, temos de ter cuidado com os assaltos. Isto aqui não é fácil, há muita insegurança!
Vasco da Gama (surpreso) – Quê?
Adamastor (com um ar assustador, fruto de uma barba farta e uns olhos ensanguentados) – Quem já andou por Pretória sabe como é! Está bem que existem coisas maravilhosas, o Transvaal Museum, os shopping centers majestosos…mas (falava com o tal ar assustador e, pelo sorriso, percebia-se a existência de algumas cáries) já alguns portugas tiveram aqui problemas. Até uma família amiga…os Sousa Sepúlveda! E, no futuro, há-de ser o mesmo, quem passar por aqui, irá ter problemas!
Vasco da Gama – Não sejas agoirento, pá! Por isso é que a Tetys, a tua namorada, não te quis! Que pessimista!
Adamastor (enquanto penteava o cabelo ensebado) – Triste fado o meu! A Tetys foi proibida pela mãe de casar comigo. A velha, a minha sogra… enganou-me. Achava que a filha era demasiado preciosa para mim. Depois toda a família colaborou nessa conspiração. Dóris (a provável sogra de Adamastor) teve o que queria!
Vasco da Gama – Homem! Não há pachorra para tanta lamecha. Nós cheios de espírito lusitano-queirosiano e tu…a lacrimejar. Como castigo ficas aqui na nau e…não te mexes. Fazes como aqueles senhores do aeroporto. Faz de conta que foste atingido por um raio de gelo! (pausa, seguida de um grito de incentivo) Pessoal, vamos para o LoftusVersfeld Stadium!
II.3

18 de Maio de 1498 – à vista da Índia…e ao som da mais recente música indiana, a de Sheila Chandra, que predispunha bem os nautas para o dia que se avizinhava.

Vasco da Gama – O raio da monção era forte, empurrou a nossa frota como se ela fosse constituída por barcos de papel!
Aurélio (marinheiro) –Já vi pior!
Vasco da Gama – (indignado) Mas que mania que tu tens…mania da superioridade! És sempre o mesmo!
Vasco desceu a prancha da S. Gabriel, com muito cuidado, devido a um forte estrabismo. No entanto, uma energia incomensurável compensava as dificuldades de visão.
Na aparelhagem sonora do interface barco/comboio, soou uma voz que decompunha os /r/ em vibrantes muito suaves. O tom dessa mesma voz era absolutamente oriental.
Voz – Senhores passageiros, está a chegar o comboio das oito, proveniente de Bombaim…
Vasco da Gama (para o marinheiro Rolando) – Bolas, esta é a estação de Calicut Oriental. Devíamos ter ido para a Ocidental. Olha, olha estão ali a dar saquinhos de pimenta…e noz moscada…e cravinho. A patroa vai ficar toda contente com tantos temperos! (correndo no seu melhor estilo) Lá vem o comboio, lá vêm eles!
E do comboio da CFI (Caminhos de Ferro Indianos) saíram, com ar sorridente, duas estrelas de Bollywood: Shahrukh Khan e Aishwarya Rai. Falavam o mais perfeito hindi, mas Vasco, que não era parvo, tinha trazido consigo um tradutor, de nome Monçaide.
Shahrukh Khan (transcrevemos o diálogo já em Português, após tradução de Monçaide) – Como é, Vasco?
Vasco da Gama (eufórico) - Que grande alegria, Shahrukh Khan e Aishwarya Rai, os meus actores favoritos. Paulo, Paulo, chega aqui!
E Paulo chegou, mas trazia consigo uma surpresa, o Tio do Restelo, que viajara escondido no porão.
Aishwarya Rai – Como é, malta? Contem-nos lá como é o vosso país. Já sabemos que no cinema se destaca uma nova promessa: Manuel de Oliveira.
Tio do Restelo – (espalhando uma série de postais ilustrados das diversas zonas de Portugal, em cima de uma mesa preparada para o efeito) Bom, tá a ver, ó Aishwarya Rai, isto é o Restelo, de onde partiram estes senhores. Aqui é Cascais, caturreiraaaaaa, a marina. Ali assim, o clube de golfe. Este é o meu Audi… perdão. Este é um postal de Guimarães, e em primeiro plano a estátua de Afonso Henriques, ali é o Castelo. Este é o postal de Alcobaça. Aqui uns montes alentejanos da minha família.
E passaram a tarde em amena cavaqueira, bebendo chá, comendo pita shoarmas, e prometendo inundar os placards dos cinemas portugueses com a mais recente filmografia indiana…

6 - UM OUTRO FINAL PARA O FILME "A CANÇÃO DE LISBOA"

Ele até sabe o que é o Mastoideu! (adaptado)


Vasquinho aproximou-se, com ar confiante e olheiras negras, do púlpito onde estavam aqueles esqueléticos Doutores, de fraques sombrios. Tinha, por eles, o maior respeito, não só porque via nos mais velhos a fonte de sabedoria que há muito o inspirava, mas também porque lhes admirava o percurso académico e o percurso de vida. Percebia que aquelas carrancas não eram mais do que uma máscara para a vida.

JÚRI -Ora o que é que o senhor entende por acção parasiticida... zentidotal... e antitóxica?

VASCO - É um simples processo pelos quais os medicamentos realizam a sua acção curativa. Já lá diz o dr. Mata, página 129 e seguintes, do seu livro A Farmacologia, 3ª edição, 1921, composto e impresso na Imprensa Nacional, Rua da Escola Politécnica 111 a 119...Lisboa.

1º membro do JÚRI - Desculpe sermos tão duros consigo. Não era isso que pretendíamos.

2º membro do JÚRI - Acho que toda esta exigência está relacionada com uma alimentação hiper-calórica...

3º membro do JÚRI- Falou em vesicante, mas, afinal, também tem outras apetências para além do estudo da Medicina?

Vasco - Bom, também sei cantar o fado...e contar uma boa piada. Isso é suficiente para os senhores, ou querem que eu faça aqui de mimo?

JÚRI - Mas não parece ser este o momento conveniente. Continuemos com o exame...

VASCO - Dizia eu que...As massas emplásticas de acção vesicante são hoje frequentemente substituídas pelo licor epintástico-vesicante de Squail, tintura acético-entérica de Brechten, cuja fórmula se pode ler na British Farmacopeia, edição de 1885, página 139 e seguintes. No mesmo caso está o vesicatório de bidé F. de Bouchardá 1884, página 435. É porém menos empregado que o antecedente. Os extractos ordinários são medicamentos que resultam da evaporação..."

JÚRI - BASTA, BASTA... vê-se que o senhor sabe! Uma última pergunta.

ASSISTÊNCIA - Qual é o músculo latero-flexor do pescoço?

JÚRI - (com surpresa) Mas...não éramos nós a fazer a pergunta?

VASCO - (enquanto canta "We are the champions") É o externo cleido-mastoideu!!

BEATRIZ - Ah! Ele até sabe o que é o...Mastoideu!

VASCO - Também sei fazer o cubo mágico...e ovos estrelados! (dirigindo-se às tias)Vêem, eu não vos disse que era Doutor!

JÚRI - Estamos derrotados!

TIAS- (procurando abraça-lo)Vasquinho,Vasquinho...

MEMBRO DA ASSISTÊNCIA, PROFESSOR DE PROFISSÃO (emocionado) - Na verdade, todos os professores, lá no seu íntimo, anseiam dizer: "Basta, vê-se que o senhor sabe!"

Texto original in A canção de Lisboa, realizado por Cotinelli Telmo em 1933, com Vasco Santana, Beatiz Costa e António Silva, Madragoa Filmes.

7- UMA OUTRA SINOPSE SOBRE A ILHA DO TESOURO

UM ESCRITOR EM GREVE...

Era uma vez um jovem, de nome Hawkins, que teve a seu cargo tarefas tão árduas que a própria imaginação humana não poderia conceber. Mais conhecido por Jim entre os amigos e sem nome relevante no mundo da escrita, foi a ele que um escocês, de nome Robert Louis Stevenson, delegou a pesadíssima tarefa de escrever um romance de acção, com a devida coerência textual, enquadrado em ambientes misteriosos, povoados de piratas, papagaios e escunas fortemente armadas como a Hispaniola.
Como se isto não bastasse, os companheiros de aventura de Jim, Trelawney, Livesey e restantes cavalheiros, também lhe pediram o mesmo. Jim ainda tentou recusar, no entanto era daquelas pessoas que não sabia dar desculpas oportunas. De forma que, ao longo de um ano, e após ter gasto uma parte considerável da sua fortuna em lápis, cadernos e fast food, o jovem esboçou as últimas palavras daquele romance…“Peças de oito!”. E estava tão aturdido que repetiu a expressão por duas vezes.
Enquanto isso, Stevenson esperava, na longínqua Escócia, por um resultado final apesar de se ter demitido das suas responsabilidades. Lamentava-se continuamente por isso, no entanto era daquelas pessoas que nunca voltava atrás assim que tomava uma decisão. Ali, do alto do seu castelo, passava os dias tentando descortinar o famoso monstro de Loch Ness, que sabia não existir…até que recebeu uma cópia digitalizada de uma aventura que muito lhe agradou e que leu repetidamente até lhe surgir a ideia para um outro romance, O Flecha Negra. Desta vez assumiu ele a árdua tarefa de o escrever.
Não é difícil perceber que, Jim, ainda na flor da sua juventude, passou das boas: trabalhou na hospedaria do pai, conheceu gente pouco recomendável, como Long John Silver, fez uma viagem para uma ilha fantástica, conhecida como Ilha do Esqueleto, enriqueceu e escreveu um livro!

8 - UMA OUTRA ANEDOTA QUE NÃO É MORTAL, MAS MEDICINAL

O Inácio vivia numa das mais recônditas zonas de Portugal, o Meloal de Cima. No entanto, apregoava aos quatro ventos, “- Apejar de cher pequena, gosto muito da minha terrinha…é tã linda e aqui não há o chtrech de Lixboa, ou do Puorto!”
Inácio tinha um temperamento melancólico (“- Eu chou achim – costumava confidenciar ao seu grande amigo, o Toino Mosca, dono da maior tasca da aldeia), uma cara naturalmente triste (“- O que é que hei-de fajer?”), uma miopia profunda (“- Num bejo nada!”) e uma corcunda acentuada (“- Pareche que tenho uma almofada nas coxtas”), que lhe não impedia o trabalho da jorna. Inácio era um trabalhador incansável (“- Chou mesmo!”) e quem o queria ver era a regar as suas viçosas couves, a sachar e a tratar, com esmero, da criação (“- Gosto muito dos meus patos e das galinhas!”).
O seu pomar, onde frutificavam tangerinas, marroquinas, laranjas da Baía, uvas com um sabor divinal e saborosos figos, era o seu orgulho. Como ele costumava dizer no terreiro da aldeia, enquanto participava nos campeonatos de sueca, “- É berdade, o meu pomar é meu orgulho. Gasto nele toda a iágua que for prechijo.”
O facto de viver num local isolado (“- Pocha, qu´ aqui num há nada!”), polvilhado de meia dúzia de casebres, onde as estradas ainda não eram alcatroadas e a carência de electricidade implicava que os meloenses se deitassem por volta das seis da tarde, não impedia Inácio de ter um dom. Com efeito, Inácio era um criador de anedotas! Uma delas: “Qual é o cúmulo da forcha? É dobrar uma isquina!” andava de boca em boca, do Minho ao Algarve, e ao Inácio já tinham começado a chegar ecos de uma fama que ele rejeitava (“- Num quero cher famojo!”).
Ate que um dia, um memorável dia, o Inácio congeminou uma extraordinária anedota, “- A MAIOR BITÓRIA DO MUNDO É BENCHER A CRIJE”. Esta pequena anedota iria modificar, para sempre, a vida do Meloal e do seu próprio país. Assim que a acabou de escrever, num improvisado escritório mesmo ao lado da capoeira, Inácio soltou uma prolongada gargalhada, levantou-se e, vendo-se ao espelho, notou que tinha um renovado sorriso “pepsodent”, um tom rosado, conseguia ver bem sem os óculos de aro redondo e a corcunda desaparecera, como por milagre.
Nessa noite, enquanto sorvia o caldo, mordiscava azeitonas e rilhava uma morcela assada, o Inácio exultou e, olhando-se ao espelho, concluiu “- Já num tenho aquela carantonha de toupeira que penchaba que me iria acompanhar para o resto da bida.”
Gertrudes, a sua octogenária mãe, que só conseguia andar com o apoio de uma consistente bengala de mogno, aproximou-se (“-Pocho ler o que escrebeste?”), riu demoradamente e, de imediato, desatou a correr, largando a bengala e dando a novidade às vizinhas (“ – Ó Ti Maria, Ó Ti Odete, Ó Ti Lurdes, inté parecho uma cachopa! Inté parecho uma cachopa!”).
Como era de esperar, o poder da anedota espalhou-se pelo distrito, com a rapidez que leva um fósforo aceso a consumir-se.
Pouco tempo depois e, já na posse da anedota, o Presidente da junta de Meloal de Cima, o Ti jaquim Arnesto, tornou-se verdadeiramente empreendedor (“-Isto agora é que bai! – dizia) e aquele lugarejo desenvolveu-se como nunca. As estradas foram rapidamente alcatroadas, as casas iluminadas e uma mensagem de boas-vindas, “BEM-VINDOS AO MELOAL DE CIMA”, presenteava os curiosos visitantes que, em romaria, se deslocavam ao renovado casebre de Inácio.
Até que a anedota chegou às mãos do Presidente da Câmara da cidade mais próxima, Nova Horta, que a leu (“- Arre! Que echa anedota é mesmo engrachada!”) e a cidade, que vinha definhando paulatinamente, transfigurou-se numa esplendorosa urbe, onde pontificavam, no dizer do Presidente, o Ti Águsto, filho da Dalinda padeira, “- Uma poderoja jona industrial e espachos berdes inspirados nos famojos jardins do Paláchio de Bersalhes.”
A fama da anedota espalhou-se por todo este país à beira-mar plantado, com a velocidade de um rastilho que desemboca num barril de pólvora. Até que chegou ao conhecimento da poderosa Indústria Farmacêutica e, não raro, era ver alguns dos seus representantes em casa do Inácio:
- Senhor Inácio, pagamos-lhe o que quiser…mas, por favor, venda-nos a sua anedota!
E o Inácio não hesitou: - Pode cher! E, neste conluio, houve brinde com Ice Tea de couve e chouriça assada.
Mas a anedota não interessava só á poderosa Indústria Farmacêutica, que a vendeu em forma de comprimidos (caixinhas de trinta) e de adocicados xaropes. Com efeito, até o próprio Governo e a Oposição a tentaram adquirir. O Inácio, altruísta como era, não se mostrou relutante quanto ao que lhe propunham e disse: “Eu bendo!”. E de seguida houve o habitual brinde, desta vez com coca-couve, broa e entrecosto de javali assado.
Um dia que ficará para sempre no imaginário colectivo da nação, foi aquele em que a anedota foi lida e ratificada no Parlamento, onde todos os deputados, vestidos pomposamente, escutaram a leitura solene da anedota do Inácio:
- Senhoras e senhores, é com o maior prazer e face à dimensão que uma anedota portuguesa tem alcançado no exterior, que a vou ler cuidadosa e respeitosamente. Anedota, essa, que anda na boca dos nossos compatriotas, em todos os países onde se revelou a diáspora lusitana. Peço, então, a maior atenção à nobilíssima assembleia…
.............................................................................................................................................
É verdade que a anedota foi exportada, lida antes de um Benfica-Porto, e se tornou um precioso contributo para o PIB de uma nação que vinha amolecendo e definhando. Também é verdade que o Inácio deixou de andar de tractor, tem assalariados a seu cargo e é dono de uma empresa na área da criação humorística. Mas não é tudo, participa habitualmente em sessões de autógrafos (“- Onde é que eu achino?”) e tem viajado para países exóticos, vestindo camisas estampadas com motivos hawaianos, sempre acompanhado pela Gertrudes que rejuvenesceu e diz em alto e bom som, - Às bezes, quando me olho ao ispelho, reparo que parecho, agora, a famoja Marilin, grande actriz dos meus tempos de cachopa!
A verdade é que a Gertrudes encontrou na anedota o elixir da juventude perdida…de tal maneira que se tornou na grande figura do rancho de Meloal de Cima.

CONSELHOS PARA A DRAMATIZAÇÃO: “O Teatro é a libertação de nós próprios. Deixamos de ser quem habitualmente encarnamos, para sermos, por breves momentos, outrem.” in Aguiar, Teodoro, Teoria do Teatro, 4ª edição, A.S Edições, Lisboa, p. 63.

…por inspiração de uns famosos comediantes ingleses.

9 - UMA OUTRA CARTA DE FERNANDO PESSOA

CARTA PESSOAL DE FERNANDO PESSOA A UM PROFESSOR
(aviso: para compreender este texto é preciso conhecer-se o mundo Pessoano. Objectivo: contextualizar esta carta com a obra do produtor de “A Mensagem” )

Lisboa, 15 de Junho de 1932

Exmo. Senhor;

Registo com desagrado, múltiplas e heteronímicas informações que me têm causado um certo desassossego e ao amigo Bernardo Soares. Com efeito, dois confrades: Alberto Caeiro, que toma conta dos meus rebanhos e Álvaro de Campos, engenheiro, cujo Chevrolet lhe provocou uma inveja mítica, confidenciaram-me que o Senhor tem…vindo a difamar-me nas suas aulas, apelidando-me de preguiçoso intelectual, ao semi-analisar poemas meus, que reflectem a – MINHA - vontade de não pretender pensar. Não desejará, certamente, o caríssimo, que eu telefone ao meu amigo futurista, Almada Negreiros, de forma a que ele escreva um outro manifesto Anti-Dantas (N.E – lamentamos a ausência do ponto de interrogação por vontade expressa do autor desta carta).
Uma outra mensagem que me foi segredada, por uma amiga ceifeira, foi a de que o senhor me anda difamando, nas suas aulas, apelidando-me de fingido. Ora, caro senhor-embebido-em-máquinas-difusas-e-longínquas, é o senhor que me vai dizer quem sou?
Digo-lhe que jamais o perdoaria, nem que fosse amigo de Cesário, Camilo Pessanha ou Antero. Nem que fosse o próprio Sidónio!
Um outro amigo, órfico, de quem eu, deliberadamente, ocultarei o nome e o brasão, disse-me em surdina, de uma forma breve…leve…suave, que o senhor teve dores ao ler os meus poemas. Ora, muito bem feito!!!
O senhor, supostamente, não-fumador, ensinou nas suas aulas algo que me contraria: que o Paulismo tinha sido imaginado por um seu primo, com o nome de Paulo; que eu tinha escrito no "Jornal do Benfica”, ao invés de "A Águia"; que eu tinha parecenças (físicas) com Camões; que eu tinha um parente que tinha sido rei; que eu tinha uma série de irmãos gémeos.
O senhor volta a difamar-me e aos meus amigos e passa-lhe um comboio por cima, a toda a velocidade. Pior: afundo-o…num paul. O senhor volta a enganar-se, ISTO que seja e eu 1,2,3,45…Norte. Olhe que quem anda à chuva (oblíqua) molha-se!!!
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Agora que estou mais calmo, deixe-me dar-lhe alguns conselhos:
1. Evite ter uma alma pequena!
2. Seja Descontente!
3. Busque o poder e renome de Portugal!
4. Nunca saia à rua com nevoeiro!

Subscrevo-me com os meus melhores cumprimentos e máxima consideração.

Fernando António Nogueira Pessoa

10 - SUBVERSÃO DO SONETO 19 DE SHAKESPEARE

O SONETO 19 – de William Shakespeare

Devouring Time blunt thou the lion’s paws,

And make the Earth devour her own sweet brood,

Pluck the keen teeth from the fierce tiger’s jaws,

And burn the long-lived phoenix in her blood,

Make glad and sorry seasons and thou fleet’st,

And do whate’er thou wilt swift-footed Time

To the wide world and all her fading sweets:

But I forbid thee one most heinous crime,

O carve not with thy hours my love’s fair brow,

Nor draw no lines there with thine antique pen,

Him in thy course untainted do allow,

For beauty’s pattern to succeeding men.

Yet do thy worst old Time:despite thy wrong,

My love shall in my verse ever live young


A tradução de Énio Ramalho

Ó tempo voraz, lima as garras ao leão!

Faz que a terra devore as tenras boninas,

Quebra os dentes cortantes ao tigre feroz,

Queima em seu próprio sangue o Fénix imanente,

Voa, faz tristes ou ledas as estações,

Faz tudo quanto te apraz, ó tempo veloz,

Aos doces frutos morrendo no mundo imenso,

Mas eu te proíbo o crime mais odioso:

Não graves na fronte do meu amigo

As horas, ou rugas, com a tua pena gasta,

No teu caminho eterno conserva-o sem mácula,

Como formoso padrão a todos os vindouros.

Faças o mal que fizeres, Tempo vetusto,

nos meus versos el’ terá juventude eterna.


E a ..subversão

Ó Jesus tenaz, lima as garras ao leão!

Faz com que o Patrício respeite o lateral das Caxinas,

Quebra os dentes cortantes ao leão feroz,

Seca o Yannick e o Postiga que andam lá pela frente.

Salta Luisão, faz implacáveis marcações.

Faz tudo o que te apraz, ó Saviola veloz,

E que belos golos vais marcando no mundo imenso.

E eu te proíbo, ó benfiquista, que estejas queixoso:

Não te lamentes na rua, ou em casa do teu melhor amigo,

Não ganhes verrugas, nem fiques com a vista gasta,

É que, em frente à TV, pareces o Drácula,

Guarda os bilhetes da Luz, como se fossem tesouros.

Faças o mal que fizeres águia vetusta,

Nos meus versos terás sempre memória eterna.

(Nota : está para breve o próximo Benfica-Sporting!)

11 - Um outro final para "A Mensagem" de Fernando Pessoa

NEVOEIRO...EM 2011!

Não há PEC! Só FMI, nesta económica guerra,
Que define a Bolsa de Lisboa a entristecer
E muito título desta terra
Com tendência para descer –
Mais um corte da Moody´s…e o país a sofrer!
É que o pessimismo é agora a regra!

Ninguém sabe que coisa quer,
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(fala-se das agências de rating a qualquer hora!)
Tudo é incerto, determinado pelas leis do mercado,
De que na nossa infância nunca tínhamos falado.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...de repente!

Portugal, é a Hora…de fugirmos, ou de aguentarmos estoicamente?

12 - UM OUTRO FINAL PARA A FARSA DE INÊS PEREIRA

Pêro Chega! Uma cousa é a personagem que represento,
Outra é o eu verdadeiro.
Que raio, afinal também tenho sentimentos e isto é um ultraje!
Recuso levá-la para junto do Ermitão.
Lá porque o seu primeiro casamento correu mal (rilha entretanto uma pêra) …

Inês Marido cuco me levades
E mais duas lousas.

Pêro ASSI NÃO SEFAZEM AS COUSAS!
ASSI NÃO SE FAZEM AS COUSAS!
NÃO FAZEM, NÃO!

Inês Mas (surpreendida)…no guião diz-se que eu vou às suas costas.

Pêro Recuso-me. Até porque tenho espondilose!

Inês Carregado ides, nosso amo,
Com duas lousas.

Pêro Escusa de insistir, Inês. Não vou. Fico!
Não sou parvo!

Inês Mas era a sua deixa..
Agora teria de dizer “Pois assi se fazem as cousas.”

Pêro Isso era antes, Inês. Agora acabou.
Ouça verdadeiramente a sua mãe.
Está a ver aqueles dois (apontando para Latão e Vidal)?
Peça-lhes que a levem às costas. Eu vou-me!

Inês Mas, Pêro (suplicando, desesperada). Ouça, ouça…e as lousas?
O que faço com as lousas?

Pêro (voltando-lhe as costas) Dê-as ao Ermitão…depois de ter subido esse enorme morro!


E assi se vão, e se acaba o dito Auto.

13 - UM OUTRO "AUTO-RETRATO” DE BOCAGE

Gordo, olhos verdes, pele branca
Trinta e dois de pé, grande na altura.
Sempre a sorrir, luminosa figura,
Nariz insignificante no meio da carranca.

Sempre sorridente, sempre sereno,
Menos propenso à ira, do que à brandura.
Bebe cerveja, lamenta a gordura,
Exemplo pacato de bondade e candura.

Encontra na escrita as suas verdades,
Nunca se lhe escuta queixa, ou lamento.
E assegura: “ - Do ócio não tenho saudades!”

Eis Bocage em quem luz enormíssimo talento!
Saíram dele vários auto-retratos, inúmeras possibilidades,
Num dia em que só um resistiu à força do vento.

14 - UM OUTRO FINAL PARA A ENEIDA

- Como é cara? É hoje que você vai nos vencer? – Este foi o implícito desafio lançado por Eneias a Turno. Da sua boca, repentinamente, surgiram outras questões. A expressão do centro-avante do Fluminense denunciava a fúria própria de quem vem cimentando o ódio há largo tempo – Você vai hesitar hoje, bicho? Quero ver você marcar mais golos do que eu! Vamo´bora, vamo lá lutar, cara!
Nesse dia solarengo o Maracanã estava a abarrotar. A torcida dos dois “times” agitava-se, mas enquanto se perfilavam as duas equipas antes do início do jogo, Eneias recordava um passado não muito distante.
Carioca de origem, cedo tinha emigrado para a Grécia, para o célebre Beksitas. Um olheiro turco tinha pressentido que estaria ali um jogador de enorme futuro. Com ele foram outros brasileiros: Anquises, zagueiro experiente em final de carreira; Acates, um lateral-esquerdo de grande compleição física e Ascânio, um outro centro-avante, sub-17.
O contingente brasileiro fez prosperar o clube turco, que se tornou poderosíssimo, fazendo um brilharete na complicada Liga dos Campeões.
Eneias revelava-se progressivamente como grande jogador e as suas economias, enviadas para o Brasil, permitiram à família a aquisição de uma casa de férias, na terra de origem do seu pai. Foi ao largo de Setúbal, em Portugal, num istmo paradisíaco, Tróia de seu nome, que a família deste herói comprou (a pronto) um grandioso T3, onde todos passavam férias e se deliciavam com o peixe assado da terra do célebre Mourinho.
Mas como o bem nem sempre dura, o clube turco foi comprado por um grupo de investidores gregos pertencentes à firma Agamémnon&Menelau, lda.
Estes negociantes gregos trouxeram com eles…alguns jogadores gregos: Aquiles, Calcas e Ajax. A Eneias só lhe restava o regresso ao Brasil e ao seu amado Fluminense. E, foi por essa altura, que conheceu Lavínia, filha de um industrial brasileiro. Lavínia vivia em Copacabana e era tal a sua beleza que era conhecida como a “menina do Rio”.
Eneias, “Né” para os amigos, ficou embasbacado assim que a viu, numa esplanada no Leblon, mas percebeu que, a seu lado, estava sentado alguém que ele bem conhecia dos relvados brasileiros, o temível Turno.
Havia pouco tempo que Turno regressara de Itália. Jogara no Inter, mas as saudades do seu país falaram mais alto que os euros e as pastas que tanto apreciava. Regressou para jogar no Flamengo e, aí, voltou a revelar uma tremenda acutilância e codícia pelo golo.
- Lavínia, meu bem, vamos na lanchonete? - Perguntou com convicção.
- Mas, você não tem de seguir uma alimentação cuidada e racional? Pergunto: você pode comer sorvete? – Inquiriu ela, desconfiada.
- Concerteza!
Antes do clássico Fla-Flu, Lavínia prometera que iria ao cinema, para ver a multicolorida animação “Rio”, com aquele que marcasse o melhor golo. Eneias e Turno iriam lutar por isso.
- As suas palavras fervidas não me assustam, feroz jogador! Apenas receio o Destino! – Foi com estas palavras ressentidas, meneando três vezes a cabeça, que Turno resolveu aceitar o desafio de Eneias.
E o jogo começou. Decorreu com tal intensidade, que a “torcida”, sorvendo goles de Guaraná, exultava de emoção.
Próximo do final o embate não se decidia a favor de ninguém e o resultado nulo mantinha-se teimosamente. Até que, por um acaso do destino, Turno ficou isolado. A sua corrida era vertiginosa, mas, a determinada altura, a bola pareceu-lhe pesar uma tonelada. Por isso, foi perdendo a noção de si e a corrida terminou numa simples marcha. A acção dos deuses era tremenda: os joelhos de Turno fraquejavam e um calafrio gelou-lhe o sangue. Olhou para as bancadas, mas nada viu, nem a sua própria irmã.
Perante a hesitação de Turno, Eneias roubou-lhe o esférico e, com grande energia, fez um contra-ataque mortífero. Por essa altura, penetrou na zaga do Fla e, frente a Anteu, o goleiro, rematou. A bola, atingindo o próprio Anteu, acabou por entrar na baliza.
Foi o delírio nas bancadas e a “torcida” do Flu clamou por Eneias e este não perdoou. Nas bancadas, Lavínia parecia estar convencida sobre o mais valoroso guerreiro. Eneias bradou, então, para Turno:
- Você não vai escapar, cara! No jogo anterior, você marcou um miserável golo a Palante, o nosso goleiro. Agora vai haver sangue!
Após ter proferido estas palavras, fez um tremendo (ou massive, como dizem os ingleses) remate de trivela, marcando um golo memorável, que fez entrar em delírio todo o Maracanã.
Nessa noite, Eneias e Lavínia, felizes, viram “Rio” e trocaram juras de amor.

15 - Aos pessoanos:

A partir do repto de Fernando Pessoa: “FECI QUOD POTUI, FACIANT MELIORA POTENTES”, surgiu um poema de pacotilha, quiçá obra de um …pseudo-supra-Fernando Pessoa.

AUTOSOMAGRAFIA

O poeta é (REALMENTE) um sofredor,
Padece tão atrozmente
Que, quando chega essa dor, pensa:
“-Esta é a dor que também a Ophélia [o meu bebé querido] sente!”

Percebem o que eles sofrem?!
[No caso do poeta] é tão grande a artrite que tem,
Que só com Zyloric a resolve
E, por ela, grita como ninguém.

Parece que lhe passou por cima uma roda,
Que lhe fez inchar do pé o dedão,
Pela Baixa deambula e [a muito custo] pensa:
“-Não…”Isto” não é imaginação!”

16 - A DYNAMIC REMIX OF CAMÕES

Amor é fogo que arde sem se ver, (soneto LXXXIV)
É um mover de olhos, brando e piadoso. (soneto XXX)
É [ter] esperança de algum contentamento, (soneto I)
É quando me alegra o [bosque] deleitoso! (soneto XXXV)

É um não querer mais que bem querer, (soneto LXXXIV)
Em mil divinos raios encendidos; (soneto LXXXVII)
É o mais ledo prazer em choro[s] triste[s] (soneto CLXXIX)
Sobre [todas] as rosas esparzidos. (soneto LXXXVII)

É um estar-se preso por vontade; (soneto LXXXIV)
Usar de liberdade e ser cativo, (soneto CXXX)
Em vosso claros olhos escondido! (soneto XXV)

Mas como causar pode seu favor, (soneto LXXXIV)
O Amor, que só o vi em breves anos (soneto CXVI)
E, nessa ausência, tão doces enganos! (soneto CCCXLVII)

17 - Uma outro ser mitológico...de Pierre Grimal?

DESCOBERTA (RECENTE) DE UM MONSTRO DA MITOLOGIA GRECO-LATINA...
G.S. Clark, filólogo, descobriu, muito recentemente, um maço de manuscritos cuja datação remonta aos épicos tempos da guerra de Tróia. Neles, Clark encontrou e decidiu revelar ao mundo um novo ser mitológico, o IC 19.
Numa publicação científica intitulada “Estranhos Seres”, Clark descreveu este ser obnóxio, que só sossega perto das cinco da manhã. Atentemos nas palavras do estudioso:

“O IC 19 é polviforme. O seu corpo é constituído por chapas metálicas e alcatrão, sendo a tonalidade predominante do seu disforme corpo, o cinzento. Vive num habitat bem definido entre Sintra e a Segunda Circular.
Este monstro, que ruge sobretudo de manhã, exala odores semelhantes aos que provêm dos tubos de escape das nossas grandes cidades (n. e - referia-se a Londres). O seu rude linguarejar faz lembrar um conjunto de buzinas. Os seus olhos, raiados de sangue, lembram dois faróis ligados no máximo.
Este ser é absolutamente imprevisível: ora se enche abruptamente, ora se esvazia sem qualquer explicação. Na mitológica guerra entre as IC e as IP, destacou-se dando a vitória às primeiras.”

18 - AOS PESSOANOS…a little joke!

NOTA AOS LEITORES MENOS AVISADOS: é necessário conhecer-se os textos e a mundividência pessoana, para que se entenda este texto. Por isso, comece por ler, por favor, a “Carta da Génese dos Heterónimos”!

EMAIL SOBRE A GÉNESE DOS ANTÓNIOS

A Rodolfo Cascais Moiteiro, meu seguidor no facebook

c.c : António Caeiro; António Reis; António de Campos e António Soares.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2005

Prezado camarada Rodolfo:

Agradecemos o teu mais recente email e, sobretudo, a sinceridade do teu desabafo para connosco, digo comigo, quanto ao estado daquela “Tabacaria”, na Baixa, junto à “Brasileira”, onde existe uma estatueta de mim próprio, feita no dia do meu “Aniversário”.
Começamos por te pedir desculpas por não te enviarmos o habitual fax, mas hoje é domingo, os correios estão fechados, o nosso pombo-correio tem uma pata magoada, está com medo de voar por influência directa da tanatofobia do António Reis, e, por fim, não pretendemos pensar mais sobre este assunto, porque de dores de cabeça já nos basta a de hoje, que tentamos aguentar estoicamente.
Passamos, digo, passo agora a responder à tua imaginária pergunta sobre a génese dos Antónios, facto que me provocou uma “Velha Angústia”, já que é difícil explicar uma coisa destas a qualquer pessoa, quanto mais a um professor de Literatura do teu gabarito. A verdade é esta: pontualmente fico possuído por outrem, ou seja, julgo que sou múltiplo! Nestas ocasiões encarno a personalidade, a expressão facial e a forma como escrevem três Antónios que eu muito admiro e de quem te falarei detalhadamente, mais adiante.
“Ó céu!” já pedi “Conselho” a um médico (esse mesmo!). Minto, já tive uma conversa com o farmacêutico do meu bairro, Sebastião de seu nome, que me diagnosticou abulia e histeria…em simultâneo. O problema é que estas transfigurações ocorrem sobretudo no restaurante da esquina, quando vou buscar a minha “Dobrada à moda do Porto” (geralmente fria), ou na drogaria do André, exactamente às 16h20m e 30segundos. E quando ocorrem esses transtornos, começo a gesticular, a estrugir, a ferrear, a ciciar e a falar como o António Caeiro, o António de Campos, ou o António Reis. E as pessoas interrogam-se, ficam estupefactas, desassossegadas. E eu (depois) nem me mexo, pareço um novelo voltado para o lado de dentro e quando me perguntam se me estou a sentir bem, penso: “Abdica, sê rei de ti próprio, deixa de ser plural!”
“-Mas, afinal, quem são estes Antónios!” – perguntas tu, ou suponho que perguntas. E eu pergunto:”-Afinal quantos sou?”
Começo por te dizer que, desde miúdo, em Lisboa e em Durban, que gosto de falar com pessoas imaginárias, com as quais nunca dialoguei efectivamente. É verdade que nunca gravei nenhuma destas conversas, o que é pena para todos nós, mas posso-te afiançar que, em determinada ocasião, falei pessoalmente com a Rainha de Inglaterra, no Palácio de Buckingham, à hora do chá, diante de um prato de scones acabados de fazer. Uma simples conversa bilingue sobre estas minhas imaginações, que ela comentou com muita graça. Numa outra ocasião, entrevistei o pacifista Gandhi, sobre o livro de Tolstoi, Guerra e Paz. Por fim, uma ceifeira alentejana, despreocupada, boa cantadeira, que me disse ser “invejoso”, porque eu lhe tinha dito desesperadamente que pretenderia ter um trabalho daqueles, ao ar livre, sem ter de passar o tempo a ler livros. E, como sabes, ler não é nada, chega é a ser uma maçada!
O primeiro dos Antónios era, inicialmente, só António e nunca leu esta “Mensagem”, (que tive de escrever para ganhar cinco contos de reis). Foi aos seis anos (que saudades!) que isto aconteceu e como não encontrava um segundo nome para esse ser imaginário, ficou “Pá!”. António Pá! Era uma forma fácil de chamar o outro que era eu próprio e era muito musical. Lembro-me vagamente, que noutra ocasião, assumi o papel de um televisivo médico, de barba rala, que coxeava e encarava o acto médico em si, como se um mistério policial se tratasse.
Passados anos, encarnei a figura de António César, quando da sua campanha na Gália, vitorioso de Vercingetórix, para assumir de imediato o papel de Napoleão, às portas de Moscovo, montado num alazão branco, que foi subitamente destituído por António Churchill, durante a Conferência de Ialta, de charuto na boca. Enfim, uma vertigem! Eh-lá-hô!
Digo-te, Cascais, tenho saudades desses tempos!
Como já percebeste, sou múltiplo e também como já percebeste, quando começo a teclar, não paro!
Vou entrar, então, na génese dos Antónios literários, que é o que pretendes saber ocultamente. Foi em 2002, salvo erro, que comecei a escrever poemas pseudo-escritos por António Caeiro, que na realidade é um vizinho meu, do 3º esquerdo, pastor na Malveira e que tem uma característica incomum. Gosta de olhar fixamente as pessoas e depois entra em transe. É verdade que o seu olhar não tem propósitos intimidatórios, pois ele acaba por ser um homem tranquilo.
Foi num dia de Março que eu, recorrendo ao meu Magalhães, escrevi de pé (até começar a sentir um formigueiro nos dois pés) cerca de trinta poemas de sua autoria e todos em redondilha menor e com a costumeira volta ou glosa. Numa luta comigo próprio, deixei de lado a postura, a voz, a escrita deste António e passei a ser eu próprio. Apertava o meu próprio pescoço, numa luta desigual, e cheguei à conclusão que, afinal, o António Caeiro não existia. Mas aí vinha o António de Campos e eu não o sabia! Escrevi então, de rajada, o poema “Chuva Molhada”. Trata-se de um poema interseccionista (e tu bem sabes o que isso significa), onde existem vários planos: chuva/sol; Porto/Benfica; interior/exterior; doce/amargo;
Mas se esse António Caeiro era o chefe dos Antónios, tratei logo de lhe descobrir discípulos e, então, apareceu o António Reis, através de uma visão quimérica que muito me surpreendeu, porque depois a absorvi. Por essa altura, estava eléctrico, neurasténico, e comecei a falar, a agir e a escrever como o António de Campos, surgindo o manifesto futuristico-bucólico intitulado “Bode Triunfal”. E o pior é que eu assumia, por momentos, ora o falar de um, ora de outro e acabámos os três a discutir uns com os outros. Fantástico, não é?!
Quando da publicação da revista “EU?”, surgiu um poema de António de Campos, antes de ter caído sob a influência campesina de António Caeiro, sobretudo do seu gosto desmedido por galináceos. Esse poema é o célebre “Aviário”!
Passo agora à identificação dos três Antónios, porque presumo que queiras saber tudo sobre evasivos de mim próprio.
António Reis nasceu em 1988, é portuense (sócio nº 1305 do FCP), louco por tripas, tem uma acentuado sotaque da zona do Porto, trocando habitualmente os /v/ pelos /b/, terminando os ditongos nasais em /on/ e chamando “cimbalino” ao habitual café. Entretanto foi para o Brasil, onde abriu um abriu consultório médico conjuntamente com uma médica brasileira, Lídia de seu nome, habitualmente sentada numa secretária contígua à sua.
António Caeiro nasceu em 1980 e morreu em 2015, nasceu em Lisboa, na freguesia dos Olivais, mas viveu toda a sua vida no Campo de Santana. Era pastor, frequentou um curso profissional e Mestre, não o sendo.
António de Campos nasceu próximo de Tavira, em Monte Gordo, no dia 15 de Outubro de 1991 (às 13.31h da tarde). Campos é Engenheiro Mecânico (pelo ISEL), mas agora é pró-activo.
Reis é o mais baixo (1,50m), depois vem Caeiro (1,51m) e só finalmente o altíssimo Campos (1,52m).
Caeiro é louro, de olhos azuis, queimado de solário; Reis moreno, com uma pequena calva; Campos tem cor trigueira, usa óculos de aro escuro e masca pastilha elástica. Reis é monárquico, latinista e semi-helenista; tem simpatia pela Grécia, embora reconheça a gravidade do “problema grego”.
Por que razão escrevo em nome dos três? Simplesmente porque mo pediram e quem sou eu para me contrariar a mim próprio?! Além destes três, não me posso esquecer de António Soares, meu semi-heterónimo, porque é como se tratasse um irmão gémeo, com a simples diferença de que não é apreciador de pastéis de nata, pelos quais eu sou perdido! Qual destes quatro é que escreve melhor o Português? É evidente que é Reis, o latinista. Caeiro escreve muito sobre a realidade do campo, integrando na sua poesia, palavras como “cabeço”; “monda”; “palheiro” ou “galinhas”. Campos gosta de falar de “motores”; “parafusos”; chaves de fenda” ou “alicates”.
Mas que manicómio é este, pensarás tu, ó caríssimo Cascais? Nenhum, direi eu. Vale mais falarmos de factos surpreendentes, como os que te falei, ou falarmos de banalidades como o estado do tempo, que por acaso hoje nem está grande coisa, já que nuvens carregadas e cinzentas é o que há mais no plúmbeo céu por cima da rua do Arsenal e dos Douradores e de toda esta Lisboa. Enquanto te escrevo, aproveito para escrever à minha Ofélia, apesar de considerar Shakespeare, como um “dramaturgo atabalhoado”, não menosprezo a felicidade do nome e, ao meu lado, neste momento está…António Baldaia. Cumprimentos, prezado camarada…

FERNANDO ANTÓNIO NOGUEIRA PESSOA