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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Sete anos de pastor Jacob servia


Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - “Mais servira, senão fora
Para tão longo amor tão curta a vida!”

Tópicos de análise:

1. Um dos poucos poemas de Camões onde se trata um assunto de inspiração bíblica, embora Jacob se sacrifique devido ao amor por Raquel. Este amor acaba por se enquadrar no que se considera ser o alto amor, sendo que este subsiste platonicamente durante catorze anos.
2. Um outro poema de camões onde se trata um tema religioso:”Porque a Terra no Céu agasalhasse”;
3. Eís a história bíblica presente no texto: Labão enganou Jacob, fazendo-o trabalhar para ele durante catorze anos. Prometera-lhe o casamento com uma das filhas, mas deu a Jacob a mão da filha mais velha, Lia. Jacob persistiu e, para ter Raquel, acordou com o Tio que teria de trabalhar mais sete anos, sem qualquer remuneração.
4. Jacob trabalhou durante catorze anos, por amor. E esta é a mensagem bíblica fundamental, que serve esta parábola, tal como o valor da persistência. Por isso, estamos na presença de um poema e sob o ponto de vista formal não subsiste qualquer dúvida quanto a esse facto (soneto italiano; duas quadras e dois tercetos; chave-de-ouro; versos decassilábicos), mas existe um evidente prosaísmo no texto, narrando-se uma história com personagens e respectiva interacção, um tempo histórico específico e, inclusivamente, notamos a existência do discurso directo nos dois últimos versos como se de um texto narrativo se tratasse.
5. Ao contrário de outros poemas de Camões, este rege-se pela simplicidade retórica e linguística. Tal como A Bíblia apresenta uma linguagem igualmente simples, não se divisam no poema os habituais cultismos renascentistas, frequentes na Lírica Camoniana. A figura de retórica mais evidente no texto é o hipérbato (1º verso; 1ª estrofe; 1º e 2º versos da segunda estrofe; dois primeiros versos do primeiro terceto), por óbvias necessidades rimáticas. Um outro recurso, sintáctico ao caso, é o da existência do aposto (2º verso, 1ª estrofe) e o do anacoluto (1º e 2º versos da segunda estrofe).
6. O uso do Pretérito Imperfeito do Indicativo remete a história narrada para os longínquos tempos bíblicos (exemplos: “servia”; “Passava”). Na narração da história está também presente o uso do gerúndio, que implica um prolongamento da acção (“Vendo”).
7. A referência ao “pastor” e à “pastora” foi recorrente durante o Renascimento, por exemplo na corte inglesa (cf. o texto de Marlowe, "The Passionate Shepeherd to His Love");
8. Na chave-de-ouro, certifica-se a ideia de que a duração daquele amor não poderia abranger uma vida curta, como a humana e, sobretudo, o tempo perdido de Jacob que só pode obter a mão de Raquel após catorze anos de extenuantes trabalhos.

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