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Sintra - Portugal vale a pena!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A ANEDOTA MEDICINAL


O Inácio vivia numa das mais recônditas zonas de Portugal, o Meloal de Cima. No entanto, apregoava aos quatro ventos, “- Apejar de cher pequena, gosto muito da minha terrinha…é tã linda e aqui não há o chtrech de Lixboa, ou do Puorto!”
Inácio tinha um temperamento melancólico (“- Eu chou achim – costumava confidenciar ao seu grande amigo, o Toino Mosca, dono da maior tasca da aldeia), uma cara naturalmente triste (“- O que é que hei-de fajer?”), uma miopia profunda (“- Num bejo nada!”) e uma corcunda acentuada (“- Pareche que tenho uma almofada nas coxtas”), que lhe não impedia o trabalho da jorna. Inácio era um trabalhador incansável (“- Chou mesmo!”) e quem o queria ver era a regar as suas viçosas couves, a sachar e a tratar, com esmero, da criação (“- Gosto muito dos meus patos e das galinhas!”).
O seu pomar, onde frutificavam tangerinas, marroquinas, laranjas da Baía, uvas com um sabor divinal e saborosos figos, era o seu orgulho. Como ele costumava dizer no terreiro da aldeia, enquanto participava nos campeonatos de sueca, “- É berdade, o meu pomar é meu orgulho. Gasto nele toda a iágua que for prechijo.”
O facto de viver num local isolado (“- Pocha, qu´ aqui num há nada!”), polvilhado de meia dúzia de casebres, onde as estradas ainda não eram alcatroadas e a carência de electricidade implicava que os meloenses se deitassem por volta das seis da tarde, não impedia Inácio de ter um dom. Com efeito, Inácio era um criador de anedotas! Uma delas: “Qual é o cúmulo da forcha? É dobrar uma isquina!” andava de boca em boca, do Minho ao Algarve, e ao Inácio já tinham começado a chegar ecos de uma fama que ele rejeitava (“- Num quero cher famojo!”).
Ate que um dia, um memorável dia, o Inácio congeminou uma extraordinária anedota, “- A MAIOR BITÓRIA DO MUNDO É BENCHER A CRIJE”. Esta pequena anedota iria modificar, para sempre, a vida do Meloal e do seu próprio país. Assim que a acabou de escrever, num improvisado escritório mesmo ao lado da capoeira, Inácio soltou uma prolongada gargalhada, levantou-se e, vendo-se ao espelho, notou que tinha um renovado sorriso “pepsodent”, um tom rosado, conseguia ver bem sem os óculos de aro redondo e a corcunda desaparecera, como por milagre.
Nessa noite, enquanto sorvia o caldo, mordiscava azeitonas e rilhava uma morcela assada, o Inácio exultou e, olhando-se ao espelho, concluiu “- Já num tenho aquela carantonha de toupeira que penchaba que me iria acompanhar para o resto da bida.”
Gertrudes, a sua octogenária mãe, que só conseguia andar com o apoio de uma consistente bengala de mogno, aproximou-se (“-Pocho ler o que escrebeste?”), riu demoradamente e, de imediato, desatou a correr, largando a bengala e dando a novidade às vizinhas (“ – Ó Ti Maria, Ó Ti Odete, Ó Ti Lurdes, inté parecho uma cachopa! Inté parecho uma cachopa!”).
Como era de esperar, o poder da anedota espalhou-se pelo distrito, com a rapidez que leva um fósforo aceso a consumir-se.
Pouco tempo depois e, já na posse da anedota, o Presidente da junta de Meloal de Cima, o Ti jaquim Arnesto, tornou-se verdadeiramente empreendedor (“-Isto agora é que bai! – dizia) e aquele lugarejo desenvolveu-se como nunca. As estradas foram rapidamente alcatroadas, as casas iluminadas e uma mensagem de boas-vindas, “BEM-VINDOS AO MELOAL DE CIMA”, presenteava os curiosos visitantes que, em romaria, se deslocavam ao renovado casebre de Inácio.
Até que a anedota chegou às mãos do Presidente da Câmara da cidade mais próxima, Nova Horta, que a leu (“- Arre! Que echa anedota é mesmo engrachada!”) e a cidade, que vinha definhando paulatinamente, transfigurou-se numa esplendorosa urbe, onde pontificavam, no dizer do Presidente, o Ti Águsto, filho da Dalinda padeira, “- Uma poderoja jona industrial e espachos berdes inspirados nos famojos jardins do Paláchio de Bersalhes.”
A fama da anedota espalhou-se por todo este país à beira-mar plantado, com a velocidade de um rastilho que desemboca num barril de pólvora. Até que chegou ao conhecimento da poderosa Indústria Farmacêutica e, não raro, era ver alguns dos seus representantes em casa do Inácio:
- Senhor Inácio, pagamos-lhe o que quiser…mas, por favor, venda-nos a sua anedota!
E o Inácio não hesitou: - Pode cher! E, neste conluio, houve brinde com Ice Tea de couve e chouriça assada.
Mas a anedota não interessava só á poderosa Indústria Farmacêutica, que a vendeu em forma de comprimidos (caixinhas de trinta) e de adocicados xaropes. Com efeito, até o próprio Governo e a Oposição a tentaram adquirir. O Inácio, altruísta como era, não se mostrou relutante quanto ao que lhe propunham e disse: “Eu bendo!”. E de seguida houve o habitual brinde, desta vez com coca-couve, broa e entrecosto de javali assado.
Um dia que ficará para sempre no imaginário colectivo da nação, foi aquele em que a anedota foi lida e ratificada no Parlamento, onde todos os deputados, vestidos pomposamente, escutaram a leitura solene da anedota do Inácio:
- Senhoras e senhores, é com o maior prazer e face à dimensão que uma anedota portuguesa tem alcançado no exterior, que a vou ler cuidadosa e respeitosamente. Anedota, essa, que anda na boca dos nossos compatriotas, em todos os países onde se revelou a diáspora lusitana. Peço, então, a maior atenção à nobilíssima assembleia…
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É verdade que a anedota foi exportada, lida antes de um Benfica-Porto, e se tornou um precioso contributo para o PIB de uma nação que vinha amolecendo e definhando. Também é verdade que o Inácio deixou de andar de tractor, tem assalariados a seu cargo e é dono de uma empresa na área da criação humorística. Mas não é tudo, participa habitualmente em sessões de autógrafos (“- Onde é que eu achino?”) e tem viajado para países exóticos, vestindo camisas estampadas com motivos hawaianos, sempre acompanhado pela Gertrudes que rejuvenesceu e diz em alto e bom som, - Às bezes, quando me olho ao ispelho, reparo que parecho, agora, a famoja Marilin, grande actriz dos meus tempos de cachopa!
A verdade é que a Gertrudes encontrou na anedota o elixir da juventude perdida…de tal maneira que se tornou na grande figura do rancho de Meloal de Cima.

CONSELHOS PARA A DRAMATIZAÇÃO: “O Teatro é a libertação de nós próprios. Deixamos de ser quem habitualmente encarnamos, para sermos, por breves momentos, outrem.” in Aguiar, Teodoro, Teoria do Teatro, 4ª edição, A.S Edições, Lisboa, p. 63.

…por inspiração de uns famosos comediantes ingleses.

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