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segunda-feira, 26 de março de 2012

UM GUARDA FELIZ E UM COELHO NO PRADO- texto lido na Casa Fernando Pessoa, a propósito do "Dia Eduardo Prado Coelho"




Aquele quarto respirava uma harmonia que emanava de tons suavemente alaranjados, que relampejavam subtilmente no edredon e nas tapeçarias. Halo sereno com impacto imediato na alma e, quem ali repousasse, gozaria a serenidade daquele espaço absurdamente emadeirado.
Paz!
A refração da luz, proveniente de uma janela sobranceira ela mesma protegida por cortinados de linho branco, confluía exatamente para o leito, uma enorme cama retangular, que se impunha naquele espaço concorrendo com a robustez da janela.
Uma cama que pedia leitor!
Ali deitado, um homem concentrou a sua atenção num livro, esperando paz. Um volumoso livro de encadernação branca e de tons alaranjados, que se camuflavam naquele espaço. Nesse livro luzia um título em letras enegrecidas, prenúncio de um final igualmente enegrecido.
Os Universos da Crítica.
No topo da parede fronteira do seu quarto, percebia-se um ligeiro menear da cabeça daquele homem. O gingar da sua cabeça era revelador de interesse e de esforço.
No seu íntimo travava uma luta consigo mesmo. Procurava a concentração absoluta, sentia receio de não entender algo. O esforço para tudo entender, resultou em minúsculas gotas de suor que iam descendo em carreirinho da sua fronte. Os olhos relampejavam. Conseguiria estar à altura do desafio? Conseguiria ler, metonimicamente falando, Prado Coelho?
Um pouco antes, já estirado naquela cama, investigara no seu portátil, ele próprio descansando nos seus joelhos gotosos, aquele nome, aquele homem, os seus textos. Por essa altura, os seus olhos refletiam as inúmeras letras que se iam substituindo em catadupa e palavras como “professor”, “ensaísta”, crítico literário” iam desaparecendo do seu alcance visual.
Ia-se embasbacando (obrigado Mia Couto!), enquanto ia enxergando todas aquelas frases. E concluiu que, bolas! Nunca iria subir aquele Olimpo, quanto mais entender aquele oráculo do saber (obrigado Sophia!) e pensou, este homem percebe de Literatura como ninguém. A sua guerra interior declarara-se, teria de reagir, fugir ao imobilismo do entendimento.
Resolveu começar a anotar nomes e teorias na sua mente enredada no livro. Esquematizar seria a sua forma de sobreviver. No entanto, esta perceção logo caiu por terra quando leu a teoria de Felman, sobre a “coisa literária”.
Decidiu rabiscar e fixar nomes, Todorov, Van Dijk, Barthres, Roman Jakobson, Mignolo, Taine, Croce, Mukarovski, Ingarden e, sobretudo, Kuhn.
Leu a Bibliografia com denodo.
Fixou uma fórmula que lhe pareceu decisiva:Literatura=mathesis+mimesis+semiosis.
O esforço começava a ser proveitoso!
Como a Literatura se conjuga harmoniosamente com os prazeres do estômago, resolveu fazê-lo pensar. Por momentos, deleitou-se com um croissant com fiambre e retomou o fôlego para novos esforços que aí vinham. Uma tempestade simplesmente provocada por um livro!
A sua lenta ervilha começava a concluir que aquele era um livro com uma linguagem hermética e, por isso, prazenteiro. Por isso, nunca pensou em desistir, mas, em determinados momentos, lia como lê uma criança o seu primeiro livro de leitura. Ainda bem que não se levou a sério, caso contrário teria enlouquecido. É que o final…no final falava-se da obscuridade da Literatura e uma frase estava encavalitada sobre a Bibliografia. Frase da autoria de Herberto Hélder. Tão complexo como este livro e o seu autor, pensou:

“Se há aqui excesso de nomes e referências, sejam tomados como montagem, concebida num apoio cultural estilisticamente irónico”

E adormeceu…

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